Bases e princípios do BDSM

Sanchez
11 min readJan 18, 2021

--

SSC, RACK, PRICK são siglas que, se você ainda não ouviu, vai ouvir no meio da comunidade fetichista. São siglas que norteiam os princípios de Consensualidade e Segurança das práticas fetichistas dentro de uma sessão BDSM.

Essas bases servem como um axioma que define um norte para manter os participantes conscientes dos riscos e seguros no que se diz respeito as práticas, além disso, são úteis para diferenciar o Sadomasoquismo fetichista do patológico assim como diferenciar uma relação de Dominação e Submissão de abuso, por exemplo.

Existe bastante discussão sobre as bases do BDSM e cada vez mais aparecem novos axiomas para definir como serão realizadas as práticas. No final deste texto, vou convidar você a uma reflexão sobre como realizar seus fetiches de forma ética.

SSC ou SSCF — São Seguro e Consensual

A primeira e mais conhecida base do BDSM é o SSC — São Seguro e Consensual que surgiu em 1987 na marcha para a Marcha de Washington pelos Direitos dos Gays e Lésbicas pelo Contingente S/M. Vale a pena conferir o texto do Mestre Sadic sobre a história do SSC neste link.

Seguro” significa que o risco das atividades deve ser compreendido por todos os participantes e eliminado ou reduzido tanto quanto possível.

São” refere-se à necessidade de abordar as atividades em um estado de espírito sensato e realista, e com uma compreensão da diferença entre fantasia e realidade.

Consensual” significa que todos os participantes consentiram livremente com a atividade e estavam dispostos a fazê-lo.

Essa base foi adotada amplamente pela comunidade fetichista, mesmo que o próprio criador do SSC, por david stein (em minúsculas), escravo de Sir Brian F tenha feito algumas críticas ao uso do SSC, mas isso é assunto pra outro texto.

Em alguns sites, em especial na Alemanha, é comum ver referencias ao SSC como SSCF onde o F significa “Fun” ou diversão.

RACK — RISK AWARE CONSENSUAL KINK

Tara Consensual com Consciência dos Riscos

Certa vez, numa lista de e-mails, alguns praticantes de BDSM estavam discutindo se SSC era realmente uma boa maneira de definir uma base para as práticas BDSM, então Gary Switch propôs, em tom de ironia, um novo acrônimo : Risk Aware Consensual Kink. Você pode ler a história toda aqui, ou o original no Fetlife do autor.

Voltando a definição, Risk Aware Consensual Kink ou Tara Consensual com Consciência dos Riscos

Depois do SSC, o RACK é a filosofia mais utilizada no meio BDSM. Essa base surgiu do seguinte questionamento: “Alguma prática é realmente segura?”. Mesmo as práticas mais seguras como o sexo baunilha, podem trazer consequências pra vida toda : De uma gravidez indesejada, uma lesão na coluna ou até um ataque cardíaco, a mais careta das relações sexuais pode trazer consequências, portanto não é 100% segura.

Geralmente quem defende o uso de “RACK” como base, também defende que uma variedade maior de práticas que não seriam considerados SSC, mas se encaixam na RACK e enfatiza o fato de que poucas atividades de BDSM são realmente livres de risco.

Risk-aware” ou ciente dos riscos significa que os participantes estão cientes do que pode acontecer durante uma sessão: seja uma marca roxa, seja a entrada no subspace seguido por um subdrop (se você não sabe o que é isso, procure no perfil, pois falei desses estados!) ou até um possível acidente.

Consensual”, significa que todos os participantes consentiram livremente com a atividade e estavam dispostos a fazê-lo.

Kink”- por sua vez, significa algo que pode ser traduzido como “prática sexual alternativa”, mas também pode significar “tara”, “fetiche”, “perversão” e muitas vezes é utilizado como uma forma pejorativa de se referir às pessoas que gostam de práticas diferentes. (é como a palavra hentai pros japoneses ou tarado para os brasileiros)

PRICK Personal Responsibility, Informed Consensual Kink

Tara com Consentimento Informado e Responsabilidade Pessoal

O conceito PRICK evoluiu do RACK. É um termo relativamente novo que começou a ganhar popularidade por volta de 2009. PRICK foi desenvolvido depois que os críticos de RACK reclamaram que a filosofia não enfatizava que os indivíduos tinham a responsabilidade pessoal de aceitar ou rejeitar o comportamento de risco em que se engajaram e viver com as consequências de suas escolhas. Este elemento é enfatizado por PRICK.

Na prática, a base PRICK coloca sob a responsabilidade do bottom o fato de estar numa sessão enquanto tira a responsabilidade do TOP por uma possível lesão.

Os críticos do PRICK sugerem que, embora soe bem no papel, é impossível estar realmente informado sobre práticas novas que você queira realizar. Uma pessoa pode dizer o que está afim de realizar tal atividade, mas sua resposta emocional não pode ser avaliada até que a sessão inicie.. Isso torna difícil aceitar realmente a responsabilidade pessoal na situação onde você se meteu. Na prática é como os termos de uso do Instagram: você finge que aceita e depois fica reclamando que as fotos estão sendo excluídas ;)

Personal Responsibility, Informed Significa que você foi informado dos riscos e que deseja continuar

Consensual”, significa que todos os participantes consentiram livremente com a atividade e estavam dispostos a fazê-lo.

Kink”- por sua vez, significa algo que pode ser traduzido como “prática sexual alternativa”, mas também pode significar “tara”, “fetiche”, “perversão” e muitas vezes é utilizado como uma forma pejorativa de se referir às pessoas que gostam de práticas diferentes. (é como a palavra hentai pros japoneses ou tarado para os brasileiros).

4c — Caring, Communication, Consent, and Caution

Essa nova estrutura de negociação foi proposta por 3 PHD de universidades públicas dos EUA e publicada no Electronic Journal of Human Sexuality, Volume 17, 5 de julho de 2014 e traduzida por mim aqui no blog(só queria ver a cara de quem fica enchendo o saco por causa de pesquisas sobre sexualidade no Brasil, ao ver essas pesquisas).

ATUALIZAÇÃO: Recebi autorização dos autores para traduzir o artigo sobre os 4Cs, Clique aqui para acessa-lo.

OS 4 C, significam : Cuidado, Comunicação, Consentimento e Cautela. Segundo o artigo, esses 4 C formam um conjunto de referências para as práticas BDSM pois a base CCCC vai além do SSC e RACK ao reconhecer diversas formas de se expressar e relacionar, além disso fornece uma estrutura de negociação importante e promove uma certa flexibilidade para os praticantes de BDSM.

E ainda há um bônus: Por trazer conceitos como cuidado, comunicação e consentimento, esta base combate as percepções erradas de que o BDSM pode ser algo violento, abusivo ou patológico.

Consensual”, significa que todos os participantes consentiram livremente com a atividade e estavam dispostos a fazê-lo.

Comunicação”, significa que todos os participantes precisam ter uma comunicação ativa durante o relacionamento BDSM. Segundo o artigo, os limites de cada um podem variar durante a vida.

Cuidado”, significa que os participantes devem ter cuidar uns dos outros e enfatiza a necessidade de aftercare.

Cautela”, significa que os participantes devem tomar cuidado para não causar danos além do esperado.

OUTRAS BASES

As bases ético-filosóficas do BDSM continuam sendo discutidas em fóruns, redes sociais e em reuniões fetichistas mundo a fora e não é totalmente incomum que surjam novos axiomas para definir como serão realizadas as sessões.

Por serem relativamente novas, essas bases não são necessariamente aceitas por praticantes de BDSM mais antigos.

RISSCK Risk Informed, Safe, Sane, Consensual Kink.

Tara Sã, segura e consensual com risco informado.

Imagine que SSC e RACK sejam personagens de Dragon Ball Z e resolvam fazer a dança da fusão. Provavelmente o resultado seria o RISSCK.

Esse é um conceito relativamente novo, que visa criar uma base derivada do SSC, mas com diversas análises de risco. Dentro da filosofia RISSCK, a cada prática nova, você deve avaliar os riscos junto com seu parceiro antes de praticar.

Infelizmente não encontrei nenhum texto dizendo como surgiu ou quem sugeriu tal base.

Risk Informed , significa ciente dos riscos, ou seja, para todas as práticas novas deve se haver um debate sobre o risco x benefício da mesma.

Seguro” significa que o risco das atividades deve ser compreendido por todos os participantes e eliminado ou reduzido tanto quanto possível.

São” refere-se à necessidade de abordar as atividades em um estado de espírito sensato e realista, e com uma compreensão da diferença entre fantasia e realidade.

Consensual” significa que todos os participantes consentiram livremente com a atividade e estavam dispostos a fazê-lo.

Kink”- por sua vez, significa algo que pode ser traduzido como “prática sexual alternativa”, mas também pode significar “tara”, “fetiche”, “perversão” e muitas vezes é utilizado como uma forma pejorativa de se referir às pessoas que gostam de práticas diferentes. (é como a palavra hentai pros japoneses ou tarado para os brasileiros)

PCRM — Prática Consensual com Risco Mínmo

Essa prática vem da comunidade brasileira de BDSM e surgiu como uma tradução equivocada de RACK e aparentemente surgiu no Facebook em meados de 2010.

Mesmo as práticas mais seguras como o sexo baunilha, podem trazer consequências pra vida toda : De uma gravidez indesejada, uma lesão na coluna ou até um ataque cardíaco, a mais careta das relações sexuais pode trazer consequências, portanto não é 100% segura.

Com o tempo, PCRM se tornou uma base que admite que, na maioria dos casos, ninguém é absolutamente qualificado para uma análise precisa de riscos ou ainda para classificar alguém como são ou adequado mentalmente para realizar determinada prática ou estabelecer uma relação D/s ou SM.

Ao contrário do SSC, RACK OU PRICK, a PCRM, Não considera suficiente a informação e o consentimento do risco, mas faz-se necessária uma intervenção de forma a minimizá-los.

SSS — São , Seguro e Sensual

Essa base foi criada por Klaus num grupo chamado SOMOS (você pode ver um arquivo do que foi o grupo aqui) no início dos anos 2000. E ao contrário do que parece, não foi criada por uma raça de cobras inteligentes que invadirão a terra no passado.

A argumentação de Klaus é que o conceito de sensualidade é mais amplo do que o de consensualidade. Segundo ele “ A sensualidade deve ter origem no bom. Naquilo que é bom para os parceiros. Naquilo que é bom para cada um Este Bom Senso deve nortear toda e qualquer relação e quanto mais intensa é a relação, maior deve ser também o Bom Senso. E uma das características do BDSM é a intensidade.”

O grande problema desta base é que quando se abre uma grande porta para o abuso. Sabemos que o Bom Senso não existe: Pessoas que deixam de usar máscara e fazem aglomeração no meio de uma pandemia; votam no Bolsonaro e que continuam a apoiar sua política de morte são tristes exemplos de que não podemos depender de conceitos como “bom senso” para nortear nossas práticas.

Traçando um paralelo, a argumentação de Klaus me lembra a argumentação dos Liberteens de que o Estado é desnecessário e que o povo deve depender da auto-regulamentação do mercado ou do Comunismo Utópico de Marx: São conceitos que parecem funcionar no papel, mas na prática há uma grande chance do próprio ser humano de fazer merda e acabar com o sonho.

A reflexão completa pode ser lida no Blog do Mestre JB e, na minha opinião, deve servir apenas como curiosidade teórica e que possa ter algum sentido, mas não deve ser usada como substituto para o SSC, principalmente por iniciantes.

CCC — Commited Compassionate Consensual

Comprometido, Compassivo, Consensual

A Base CCC é focada, em especial, nas relações TPE e 24/7 onde atribui ao TOP a completa responsabilidade das práticas. Alguns praticantes relatam dispensar o uso de palavra de segurança quando utilizam essa base, contudo eu particularmente não recomendo.

Compromissado” significa que houve um estabelecimento de um acordo ou contrato prévio entre os participantes que não deve ser quebrado como o estabelecimento de limites rígidos.

Compassivo” está relacionado a “compaixão”, ou seja, a saúde e integridade física e moral do bottom estão sujeitos ao TOP

Consensual” significa que todos os participantes consentiram livremente com a atividade e estavam dispostos a fazê-lo.

Quando as bases do BDSM não são suficientes?

Embora existam diversas bases, muitas vezes é preciso ir além delas para definir como nossos fetiches funcionam.

É praticamente um mantra dentro do BDSM “São, seguro e consensual”, palavras que numa primeira vista podem parecer um excelente guia para nortear as práticas dentro de uma sessão, mas, quem já pratica a algum tempo sabe que o SSC não é suficiente para algumas práticas e então adotam outros paradigmas: PRICK ou RACK, mas será que esses paradigmas são precisos o suficiente?

Recentemente coloquei nos stories do meu instagram, uma foto de uma modelo enrolada num pisca-pisca comum, desses de árvore de natal, ligado. Deu um efeito bonito e certamente parecia uma foto inocente, uma prática sem riscos — e tenho certeza de que muitos que se fotografam com essas luzes pensam assim.

No caso de utilizar um acessório como este, será que o dominador teria plena ciência do risco que corre? Num pisca pisca comum, a tensão é entregue para as lâmpadas e qualquer dano ao elemento isolante do cabo pode fazer com que a corrente vaze para o corpo ocasionando desde um desconforto até a morte. Uma brincadeira aparentemente inocente pode ser mais arriscada do que práticas como blood play (onde os praticantes tem plena ciência dos riscos) .

Como não se trata de algo aparentemente perigoso, muita gente não se preocupa em estudar o acessório, apenas compra (ou pior, pega um pisca pisca antigo que pode estar com os fios ressecados) e utiliza na sessão de fotos.

Assim como o pisca pisca, algumas práticas podem parecer inócuas, mas serem relativamente perigosas para o bottom ou para o TOP. Sendo assim, seriam os paradigmas precisos o suficiente?

Quando o termo SSC foi criado por david stein, escravo de Sir Brian F. ainda na década de 1980, tinha a intenção de deixar claro para quem não era do meio Leather que as práticas sadomasoquistas eram feitas por pessoas comuns. O primeiro uso registrado foi na descrição de uma organização chamada GMSMA: “GMSMA é uma organização sem fins lucrativos de homens gays na área da cidade de Nova York que estão seriamente interessados em S/M são, seguro e consensual”.

Para resumir a história, esse termo São Seguro e Consensual acabou virando um clichê no meio, até que na década de 1990, Gary Switch cunhou, numa lista de discussão (que era a forma que os dinossauros se comunicavam antes da idade do bronze) o termo RACK, afinal, para ele nem tudo era seguro. O Termo Risk Aware Consensual Kink começou a ser utiliado para práticas edge play (Essas definições estão disponíveis no perfil!) e logo se tornou outro cliché.

Posteriormente Gary Switch e david stein se reuniram e entraram num acordo: Essas frases são úteis como um cliché, mas não tão são úteis na prática. A prática é bem diferente — Lembra o caso do Pisca Pisca do post anterior?

Em 2014, david stein apresentou alguns princípios éticos na Leather Leadership Conference, Filadélfia entre os dias 11 a 13 de abril de 2014 alguns princípios éticos no BDSM. Acredito que seja uma abordagem mais precisa e mais completa do que as frases prontas que a gente compartilha por aí. Não vou conseguir resumir, então vou deixar o link.

Embora seja uma frase que tenha se tornado um slogan importante no meio BDSM, o SSC, RACK e outras “bases” não são completas e podem dar uma falsa sensação de segurança para os praticantes. O caso do pisca pisca, por exemplo, mostra que uma prática aparentemente inofensiva poderia causar graves danos ou até a morte em caso de acidente, contudo, os participantes nem sempre estão cientes dos riscos que correm, então não basta repetir SSC feito um disco riscado.

O pior é quando pessoas abusivas seduzem iniciantes ou baunilhas com o discurso de que “toda prática é Sã, segura e consensual” quando sabemos que não é bem assim.

É necessário, na minha opinião, que se pratique BDSM com ética, transparência e responsabilidade. Que se apegue na humanidade e tenha a ciência de que todas as práticas podem ser mais ou menos arriscadas, mesmo sem riscos aparentes mesmo um spanking possui riscos e esses riscos nem sempre estão claros para todos. Até o simples uso de uma coleira pode desencadear gatilhos emocionais enterrados no subconsciente do bottom (já aconteceu com uma bottom minha). Estar preparado para algo que saia errado.

O que é são para mim, pode não ser para você. O que é seguro para mim, pode não ser para você e vice-versa.

Fontes:

Fontes: https://ds-arts.com/academy/SSC_Origins.html
Fonte 2: Medium do Lino Narderer onde encontrei a tradução dos principios éticos, encurtador.com.br/NUY1
Fonte 3: Conversa com @Mestre_Sadic, que me enviou um conteúdo supimpa: https://link.medium.com/z6HQs4j1gbb
Fonte 4: https://www.kinkly.com/definition/1176/personal-responsibility-informed-consensual-kink-prick
Fonte 5: http://www.ejhs.org/volume17/BDSM.html

--

--

Sanchez
Sanchez

Written by Sanchez

Dominador; Daddy. Perfil para compartilhar textos, impressões e experiências! https://linktr.ee/sanchez.bdsm

No responses yet